30 de abril de 2012

COTAS PARA O RESPEITO.



Há dias penso em escrever sobre o tema cotas raciais, mas, estava protelando a ideia para me munir de informações. Queria pesquisar se somente eu sou contrária a essas tais cotas. Após ampla pesquisa (deixo material para pesquisa em links no fim do texto) tomei coragem para expor minha indignação sobre o tema, mesmo sabendo que minha voz é inútil, mas, como o blog é meu vou expor o que eu penso (oia a prepotência, rss).
Na universidade, uma jovem negra consegue alguns pontos para seu ingressar na tal por ser negra. Não tínhamos essa informação, ela era para nós uma aluna comum, como a maioria de nós, a maioria pobre, que viam na licenciatura uma forma de fugir do trabalho pesado (muitos licenciados não tem vocação, jeito para serem professores, educadores, porém, estar em sala de aula é muito mais fácil que cortar cana, então). Um dia, a discussão sobre cota aparece na sala de aula. A maioria, de pobres, muitos desses pobres e brancos, bolsistas do Programa Escola da Família do governo do estado, se posicionaram contra as cotas. Não sei o que a levou, em meio aquela imensa maioria, dizer que era uma beneficiária das tais cotas e que, no momento, estava só pensando em si, que não perderia a oportunidade de estudar, mesmo por cotas, por causa do pensamento dos outros (era a opinião dela e eu respeito). Após a discussão, que, obviamente muitos foram contra, todos voltaram ao seu normal e a vida continuou, mas, alguma coisa na garota deu sinal de mudanças.
Para provar sua inteligência, para provar que era merecedora das tais cotas ela mudou. Era notável que ela era muito pobre, mas, a partir daquele momento ela começou a querer mostrar que tinha algum Q a mais. Mudou a forma de se vestir, se empenhava ao máximo para mostrar certo refinamento. O cabelo, alisado (não tenho nada contra, mas, prefiro assumir meu cabelo afro, seria o mais correto para ela fazer também já que assumira aceitar ser negra aceitando as cotas (eu sei que sou chata nesse assunto)), estava sempre muito alinhado, nas discussões em sala de aula essa passou a se empenhar muito para mostrar que as cotas não diminuíram sua capacidade intelectual, que essa era apenas uma ferramenta para ela estar na universidade, começou a cursar inglês e falava muita coisa em inglês na sala de aula, começou a ficar arrogante.
Esse fato é real. Eu vi isso acontecer na minha frente. Eu que já era contra as cotas, com esse caso, que eu observava minuciosamente, a minha contrariedade aumentou. É como se ela precisasse matar um Leão por dia para provar que ela não era apenas “cotista” que ela tinha cérebro.
É isso o que as cotas fazem com os negros em sala de aula. Para o governo é uma coisa muito simples. É uma forma de aumentar a popularidade, o apelo social. Para o negro bolsista, aquele que pensa, obviamente, uma injustiça que precisará ser superada com notas altas, com presença de espírito e muito jogo de cintura, pois, a população cobra, joga na cara o tempo todo que o bolsista de cotas não tem capacidade intelectual para conseguir uma vaga por seus próprios méritos.
Eu sou negra (meu avô era filho de italianos, minha avó filha de africanos, minha bisavó foi escrava), portanto, não falo sobre as cotas sem conhecimento de causa. Eu falo o que eu sinto. As cotas deixam quem as recebe em uma situação humilhante. É aceitarmos que não temos “massa cinzenta” para brigarmos por uma vaga no mesmo nível que o branco, mesmo com o branco pobre, que tem as mesmas dificuldades.
Eu sou casada com branco. Minhas cunhadas são loiras e quando eu entrei na família todas elas trabalhavam como empregadas domésticas porque tiveram pouco ou nenhum acesso aos estudos, o sistema, ter que trabalhar para ajudar a sustentar onze irmãos não as pouparam. Mesmo loiras, elas tiveram que cursar o EJA (educação para jovens e adultos que sabemos que não ensina ninguém, já que temos uma carga horária menor, com alunos cansados, professores desmotivados, professores de artes lecionando matemática, etc) elas também tiveram que se sujeitar a um sistema educacional ruim, que não qualifica nem brancos nem negros, e, na hora de ir para a universidade minha pele entra na frente delas. Nesse ponto, quem está sendo discriminado? É usar combustível para apagar fogo. Não preciso de cotas, preciso de educação de qualidade, preciso que respeitem meus direitos à educação. Os brancos, pardos, amarelos, negros, todos pagam impostos e se morássemos em um país sério, sem corruptos, esse dinheiro seria revertido em bons sistemas educacionais, em saúde de qualidade, não precisariam  me “dar uma forcinha” para eu ir para a faculdade. As pessoas brancas, muitas das quais convivem comigo e eu acompanho o quanto “ralam” para também ter acesso a essa tal educação, teriam as mesmas condições que eu para brigarem por uma vaga em universidades publicas e vice versa.
O sistema de cotas é cruel. É uma declaração obvia de que me acham incapaz de adquirir conhecimento suficiente para me garantir intelectualmente. Não quero cota, quero respeito.
Segundo os ministros as cotas são pra fazerem uma reparação social para os negros. Então precisam reservar vagas para negros nos concursos públicos, já que após a Lei Aurea meus antepassados foram jogados nas ruas sem qualificação profissional para proverem o próprio sustento. Agora imaginem um negro sendo gerente de uma empresa pública/privada por sistema de cotas. Tenho arrepios até em pensar o quanto esse sofreria, mas, seria o certo, não é reparação social.
Se somos todos iguais perante a Constituição as cotas me faz diferente. Como fica o discurso por igualdade tão difundido por nós, negros?
Vou reivindicar cota de respeito, de dignidade.
A seguir links que falam sobre o tema:
revistaepoca. (leiam os comentários do artigo, são ótimos).
blogdosakamoto (comentários desse artigo também são bons para refletirmos).




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