6 de agosto de 2011

"AS CILADAS DO ÁLCOOL"


Dois fragmentos de uma mesma realidade me chamaram à atenção essa semana. O primeiro, um homem em seus quarenta e dois anos, aproximadamente, aparentando tranqüilidade, bem vestido, passou por mim por volta das 6hs55min, quando eu me encaminhava para o trabalho, carregando na mão um litro de pinga, que não fizera questão de embrulhá-lo, escondê-lo, disfarçá-lo. Carregava o litro na mão tranquilamente, nas primeiras horas da manhã como se carrega um pacote com pães. O homem aparentava alheio aos olhares, algumas pessoas o olhava atravessar a rua tão displicentemente com o litro na mão, certamente, assim como eu, todos se perguntavam o que faz uma pessoa comprar um litro de bebida alcoólica àquela hora do dia, enfim.
Outra cena. Estava eu ontem 05/08, no Hospital da Unesp em Botucatu, aguardado minha vez para uma consulta, quando um senhor aparentemente alcoolizado, dentro de seus aproximadamente sessenta anos, entra no meio do povo e começa a pedir dinheiro. Esse estava segurando uma sacolinha com um frasco (conhecido aqui como Juninho) com pinga e um maço de cigarros, pertences que ele alegava ser de um amigo. Algumas pessoas mesmo percebendo a intenção desse, de ter o dinheiro para comprar mais bebidas, ou cigarros, acabaram colaborando com esse com algumas moedinhas. Algumas horas depois (sim, horas. Quando se vai para consultas em cidade de fora com carros da Prefeitura você só tem hora para ir, rsss) vi um vigilante do hospital abordando o tal senhor com a fala de que ele sabe que não pode ficar dentro do campus pedindo dinheiro para os pacientes. O senhor, agora já cambaleante, diz entender e começa a se direcionar para os portões de saída. O vigilante pede reforço para um carro que faz ronda e pede para os colegas escoltarem o tal senhor até a saída.
Pode parecer “inhumano” de minha parte, mas, não sou uma pessoa que costuma ter pena de pessoas adultas que caem no vicio porque essas tiveram orientação (há inúmeras campanhas educativas, de prevenção e mesmo assim aumentam os casos de desdém por parte das pessoas, principalmente por parte dos jovens, adolescentes, que acham que diversão é sinônimo de cara cheia, nesse processo não existe inocentes) sabiam que o problema poderia acontecer (tenho pessoas na minha família que mesmo estando em situação crítica por cauda da bebida, mesmo já tendo perdido casa, família, saúde, dignidade por causa do vicio, quando oferecemos ajuda essa diz que um homem tem o direito de tomar sua pinguinha à tarde após um dia de trabalho (ressaltando que a pessoa já não trabalha há quase três anos e toma a pinguinha a qualquer hora do dia). Já levamos para tratamento e a pessoa se recusa a ver a realidade. A vida é feita de escolhas), porém, o que chama à atenção nesses casos é a condição humana do viciado. Complicado ver como a pessoa perde as referencias do que é ser pessoa, do que é ser merecedora de respeito, de dignidade, e mais complicado ainda é ver que é a própria pessoa, com seus conflitos e problemas, que se coloca nessas condições de “subhumanidade”, se “autocoloca” em situação de inferioridade dentro das escalas de convivência social.
Sei que o assunto é complexo e nem os estudiosos da mente humana conseguiram dominar, compreender (se tivessem não teríamos essa epidemia do crack, da heroína, do álcool, etc) os insultos que a mente nos faz, mas, é um assunto que me intriga. Não consigo entender como pessoas consideradas conscientes, racionais, mesmo quando há ajuda profissional, colocam dentro de si, com as próprias mãos, substâncias que as farão perder o controle de sua condição humana (como disse anteriormente falo do assunto com propriedade por ter o problema dentro de minha casa e me refiro exclusivamente as pessoas que perdem o controle da situação e passam a serem bebidas ao invés de beberem, não incluo aqui as pessoas que tomam socialmente, apesar de saber que a linha que separa esse socialmente do "insocialmente" é extremamente frágil, creio que todos que estão no vicio um dia esteve no espaço dessa linha divisória).
A pessoa quando em estado alterado por essas substâncias mente para si o tempo todo. Fala que bebera só um pouquinho, que não está cambaleando coisa nenhuma, que é você quem fala demais, jura que não possue conta em bar, portanto, se também não tinha o dinheiro não tem como estar bêbada, que isso é coisa da cabeça de quem o está cobrando (que na maioria das vezes é o doido, na cabeça de quem tem o vicio, porque não conseguem perceber que não beberam, que não se drogaram, que estão normais). Não percebem quando começam a perder o respeito dos pais, irmãos, esposa, filhos, sociedade. Não percebem quando começam a perder o controle da situação, a perder as coisas que compraram com tanto sacrifícios. Não percebem quando começam a não se pertencerem mais.
Porque isso acontece? Porque recusam ajuda? Porque é tão difícil se autoenxergar? O que uma terceira pessoa pode fazer para quebrar esse ciclo para que a pessoa possa voltar a ter a si por completo?