Assim que chegara no
trabalho na quinta-feira passada eu sabia que um atendimento agendado
no dia seria difícil. A adolescente fora flagrada próxima a pista
onde está havendo a construção de uma passarela de
conversinha com
os operários, conversinha, que segundo informantes, eram insinuações
sexuais dessa para com esses. A família reagira mal à informação,
prometeram, pai e mãe, arrancarem sangue “da sem vergonha”
(fala dos pais).
Apareceram quase no fim
do expediente. A adolescente assustada não respondia as minhas
perguntas, diante disso a mãe já começara a agredi-la verbalmente.
Calmamente pedi respeito, pois, a adolescente estava se sentindo mal,
pressionada.
Quando voltei a
questionar se ela tinha noção dos riscos que corria ao se oferecer
à pessoas estranhas (doenças, gravidez indesejada, estupro,
exploração sexual), essa olhara para mim e, finalmente respondera.
Disse que sentia muita raiva, que estava acontecendo muitas coisas em
casa e, por causa dessa raiva achava que conversando com aqueles
estranhos, que passando alguns momentos ao lado desses, conseguiria
um pouco da atenção que não tinha em casa. Disse que o pai é
incapaz de um gesto de carinho, que a mãe trabalha o dia todo e
quando chega em casa só sabe bater, gritar e dizer que está
cansada, inclusive deles, os filhos.
Eu disse que
compreendia sua situação, mas, o ato impensado, além de não
resolver o problema dela, poderia coloca-la em uma situação ainda
pior.
Após longa conversa,
após aplicarmos um termo de advertência por escrito para a mãe, a
adolescente, que já me conhecia de outro momento, eu fora monitora
dessa em um projeto social, isso quando essa era bem pequena,
levantou-se e aninhou-se em meus braços, em um longo abraço que se
percebia urgência de afeto, de atenção, de carinho. Fui pega de
surpresa com o gesto, mas, não poderia negar esse abraço a ela,
naquele momento era o que ela precisava, ela confiava na minha pessoa
e me escolhera para confortá-la.
Dentro do trabalho que
exerço só se trabalha com o pior do ser humano: suas dores,
descontroles, revoltas, pobreza financeira e, às vezes, de espírito,
de amor, desilusões, egoísmos, violência, abandono, desesperanças
etc, muitas das vezes precisamos nos transformar em luzes, para não
perdermos uma vida.
Dentro do trabalho que
exerço também há muita incompreensão. Pessoas que não enxergam
as pessoas que existem por trás de cada história e nos culpam por
“passarmos” as mãos na cabeça de vagabundos, delinquentes.
Muito fácil falar, difícil é calçar o sapato do outro, sentir
suas dores, saber de suas aflições.
Estamos em uma
sociedade que se vangloria de dizer-se altruísta, filantropia é
moda, mas, o que realmente as pessoas esperam das pessoas?
No meu ponto de vista
eu esperaria menos hipocrisia.
Todos temos nossos
momentos de medo, de dor, de desilusões. Todos temos nossos pontos
fracos, todos precisamos de abraços. Imaginem a dimensão do medo
dentro de cabeças ainda não formadas, de pessoas que não são nem
adultas nem crianças, que não sabem que rumo tomar na vida.
Não aprovo a atitude
da adolescente, mas, não consigo mensurar suas dores, suas razões.
O homem nasce bom é a
sociedade que o corrompe, disse sabiamente Rousseau.
Será que a menina
teria caído nesse caminho se quem devesse orientá-la o tivesse
feito de forma certa? O que realmente as pessoas esperam das pessoas?
Talvez amor, acolhimento, respeito, compreensão já resolveriam
muitas das nossas mazelas.
Só olhar o outro é suficiente ou é necessário enxergá-lo?
Você já se perguntou
o que as pessoas esperam de você enquanto pessoa?
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