Meus irmãos
já sofriam na pele o abandono por parte de minha mãe, não abandono de amor,
pois, por mais que minha mãe tenha contribuído para arruinar meu futuro, sim, a
culpo por ter sido sempre fraca, sempre dominada pela bebida, essa nunca deixou
de nos amar, do jeito dela, mas, amor, digo abandono de presença, essa nunca
notava se estávamos ou não por perto, abandono de preocupação, pois, era impossível
a uma pessoa que estava sempre bêbada perceber que o próximo precisa de um
beijo, de um mísero aceno, de um: onde você estava moleque, com sotaque de
preocupação.
Como meu
pai também bebia, menos que minha mãe, porém, não tão menos que o deixasse
sóbrio para nos amparar, meus irmãos e eu fomos sendo educados pela vida, achávamos
amparo, refugio, nos becos, e, nesses becos, mesmo com certa noção de certo e
errado, fui aprendendo a moldar minha personalidade, na malandragem.
Como se
não bastassem os problemas sociais e familiares, descobri cedo que um pequeno distúrbio
tornaria quase impossível meu desenvolvimento na escola. Todo meu processo de
aprendizagem estava comprometido (parem e imaginem a cena: nascimento em
periferia, origem negra, pobre, problemas sociais causados pelo álcool,
abandonado, marginalizado e analfabeto, tudo isso em uma única criatura). Com o
ensino que se oferece e com a preocupação do estado com minha causa, estava
condenado. E estava.
A não
adaptação na escola regular me levou para uma escola especial. Agressivo, mal
educado, insensível (não sei por que, pois, a vida me foi tão justa) e
diagnosticado apenas com deficiência na aprendizagem, fui excluído, novamente. Sem
amparo, compreensão, me sobraram o mundo do crime, me sobraram as lições dos
jargões policiais, minha escola agora é na cadeia.
Esse relato
acima faz parte do pedacinho da história de uma pessoa de carne e osso, hoje,
mais osso que carne, pois, muito do peso desta fora derretido com as drogas.
Essa história
é parecida com muitas que ouço todos os dias. Essa história faz parte da vida
de muitos adolescentes que se encontram no crime, de crianças que irão para o
crime e com as quais nós, sociedade civil, só nos preocupamos porque são possíveis
candidatos a roubarem nossas casas, furtarem nossos bens.
Há uma
história de abandono em quase todos os casos de crianças e adolescentes
envolvidos em roubos, furtos, agressão, assassinato, drogadição("abandono agora é moda").
Diante desse quadro me pergunto sempre quando as famílias, a
sociedade, o estado olharão para esses indivíduos como indivíduos? Quando esses serão ouvidos, sentidos, respeitados?
Cada tragédia que acontece e que há envolvimento de criança e adolescente me pergunto: até quando veremos essas cenas? O que mais precisará acontecer?