MEUS PAIS, MEUS ALGOZES

Em uma briga de travesseiros, em que um dos meus sobrinhos mordeu o dedão do adversário para conseguir vencer a batalha (de forma covarde, saliento), a vítima, (ambos farão cinco anos mas, são primos, não são irmãos gêmeos), entre lágrimas, vociferava que iria jogar pimenta no olho do outro, que iria pegar o vidro de perfumes da mãe dele, pegaria o primo, "o pit bull, rss" e falaria: abre o olho, abre o olho, e jogaria perfume no olho do outro para descontar a dor da mordida (dentro da inocência dele, acreditava que uma pessoa em sã consciencia abre os olhos para alguém espirrar perfumes).

Outro epísódio. Os meus sobrinhos possuem brinquedos modernos, coisas simples mas, modernas, com controle remoto, caminhões caçamba, caminhão de bombeiros, lava jato, robôs, acesso a games virtuais, tem acesso a internet, celulares, etc, apesar da pouca idade. Porém, o brinquedo preferido de um deles é uma velha roda de carrinho de bebê, enganchada em um cabo de vassouras. Ele consegue ficar algumas horas, em pleno domingo, p/ baixo e p/ cima com o tal brinquedo, ressaltando que não deixa o outro, o primo que foi mordido, encostar no brinquedo, que na imaginação dele deve ser a coisa mais "petacular" do mundo.

Vocês devem estar se perguntando, tá e daí, onde isso nos leva?

Quero apenas que percebam que, em ambos os relatos, se destaca a simplicidade do mundo da criança, como essas, mesmo quando rodeadas de coisas caras, usam artificios simples para serem felizes, para vivenciar seus mundinhos repletos de sonhos, fantasmas, fantasias.

Essa semana o país ficou "chocado" em ver um casal de Curitiba rejeitar um bebê, fruto de uma inseminação artificial que resultou trigêmeos (http://g1.globo.com/parana/noticia/2011/04/pais-fazem-inseminacao-artificial-e-rejeitam-um-dos-bebes-diz-medico.html).

Com o dedo em riste, acusamos os pais, julgamos ( como pode, onde já se viu, são uns monstros, etc, etc, etc). Como somos hipócritas. Não estou aqui querendo justificar a atitude deles pois, foi uma atitude cruel (fico me perguntando quais foram os critérios que usaram ao escolher Essa e Aquela e não Esta para ficar no confortável seio familiar, jogando Esta a própria sorte) mas, para dizer que todos os dias me deparo com pessoas que colocam filhos no mundo para serem criados por terceiros. Isso é igual a TERCEIRIZAR a função de pai e mãe.

Entre a carreira e os filhos, com a desculpa de que precisam dar aos seus filhos tudo aquilo que você não teve, o cuidar do filho é delegado aos outros, outros que, muitas vezes, você nem sabe quem é (ouvi um relato em que a pessoa dizia que em uma instituição, creche, as cuidadoras, pessoas "preparadas" para cuidar dos filhos dos outros, tapam o nariz dos bebês para obrigá-los a comer. A criança, seu filho, come porque está com fome ou porque tem medo do castigo?) e escolhe o ganhar dinheiro em lugar do cuidar, do amar (nesse caso você também fez uma escolha e o filho não foi o escolhido). Então, a situação não é a mesma? Eles iriam deixar uma das crianças para ser cuidada por terceiros. Muitos fazemos isso todos  os dias.

Sei que muitas pessoas precisam mesmo trabalhar mas, por experiência eu digo e afirmo, muitos pais escolhem não cuidar dos filhos para buscar satisfação financeira própria, pois, a criança não precisa de muito para ser feliz. Ela precisa ser amada, amparada, de casa limpa, refeições, educação, beijos, abraços, carinho, sorrisos, afagos e essas coisas, em sua maioria, custam pouco ou são de graça.

Em meu trabalho vejo os pais, alguns nem tão necessitados, brigarem por uma vaga na creche, depois da creche brigarem por uma vaga nos projetos, depois dos projetos vem os cursos do Senai, depois vem e inserção na Legião Mirim, etc. Quando vocês cuidam dos seus filhos? Que horas você olha para ele como individuo, como pessoa dotada de sentimentos e singularidades e pergunta se essas "SUAS" escolhas os fazem felizes?

Na minha cidade é comum vermos crianças (entre dez, onze anos) e adolescentes, na avenida, à noite, a mercê de bandidos, drogas, bebidas alcoólicas, prostituição, etc. enquanto os pais, tranquilamente dormem o sono dos justos porque acreditam que cabe ao Conselho Tutelar e a Polícia cuidar dos seus filhos. De novo, quando vocês cuidam dos seus filhos?

Milhares de pessoas jogam para as instituições, governamentais e não governamentais, as obrigações de educar, de amar. Nesse caso vocês também não estão deixando os seus filhos para outros cuidarem, não estão delegando aos outros a função do amar, não estão fazendo o mesmo que o casal de Curitiba fez, abandonando a própria sorte pessoas indefesas, que deveriam estar sob seus cuidados?

Sei que há casos e casos. Conheço muita gente que passa por dificuldade e cada centavo que entra em casa é bem vindo. Não sou ignorante. Esse texto é apenas um convite para a reflexão.

Não deleguem o amor, não façam escolhas entre os filhos e o material, não os abandonem. Eles precisam de pouco para serem felizes, eles precisam de vocês, pais, família.

Antes de apontarem, reflitam, questionem: quem está cuidando dos meus filhos?