
Dentro de sua inocência, magoada com as palavras duras, mas,
criança demais para as interpretá-las, ela não mensurara no quanto àquela cena,
aquele momento a marcariam para o resto de sua vida.
Foram anos lutando contra a rejeição. Para ser aceita na
sociedade estudara, muito, lia freneticamente, pois, queria compensar a falta
de atrativo físico com o intelectual. Nessa ânsia alguém dissera: você devora
os livros para fugir de si mesma, ao que ela concordara, mas, era melhor viajar
nas palavras que entrar para o mundo das drogas, da bebida, da depressão.
A adolescência também não fora um período fácil. A menina do
espelho não conseguia sair de sua prisão, aquela que o avô tão bem construíra
quando essa ainda era criança.
O problema se estendera em sua vida adulta. O problema com o
peso a transformara em uma pessoa insegura, carente, arredia, medrosa. Toda pessoa
que se aproximava, ou ela a grudava, com medo de perder, ou ela a repelia, com
medo de sofrer.
Para sentir-se parte de um todo, para tentar se livrar da
prisão, ainda em fase de desenvolvimento tomara remédios fortes, de tarja
preta, para que a gordura sumisse e as chaves da prisão se abrissem, mas, como
peso é questão mais psicológica que biológica, o problema persistia e, os remédios
exerciam apenas a função de adoecê-la, pois, os componentes desses tinham
efeitos de drogas sobre sua mente (insônia, boca seca, agitação, euforia, que
era momentânea, nervosismo, agressividade, tremedeira, descontrole emocional,
etc).
No auge do problema decidira ler dez livros por semana,
pois, assim, não pensaria em mais nada, não pensaria em sua dor, em sua “inadequação”
social.
Até hoje ficaram flashes de momentos em que o desprezo, a
discriminação faziam suas marcas, abriam feridas, que sangram até hoje a cada
rejeição.
Só quem passa por esse problema consegue mensurar o que é para
uma adolescente ver que seu corpo não se parece com o de suas amigas, que você não
faz parte do todo.
Só quem passa por esse problema consegue medir o que é ser
rejeitado por algo que, no caso de uma criança, de um adolescente, é maior que
sua capacidade de compreensão (uma criança não entende porque come demais, não
entende porque um número na balança decide se você será amado ou não, o
adolescente, em fase de desenvolvimento, até compreende a rejeição, mas, como
está tentando entender o mundo, o que poderia ser fácil de ser resolvido, vira
faca de dois gumes, envolto em emoções novas, em sentimentos novos, a
tendência é comer ainda mais).
Só quem passa pelo problema sabe o que é ser invisível,
mesmo maquiada, mesmo com uma roupa bonita, mesmo sendo inteligente, mesmo
sendo delicada, mesmo sendo gente, mesmo tendo sentimentos.
Só quem passa por esse problema entende profundamente de
hipocrisia, mediocridade, falta de respeito, de generosidade (tem pessoas
cruéis, que são capazes de massacrar o sentimento de uma pessoa, até mesmo de
uma criança, que não cabe dentro de seus conceitos estereotipados).
Após apresentar esse pequeno pedaço de realidade, que não
contém nem 10% do que passei me pergunto sobre essa tal tendência Plus Size.
Eu sou a favor da moda, concordo plenamente na
democratização da moda. Antes mesmo de eu passar pela cirurgia bariátrica, que
para mim tinha o valor de uma chave de ouro, pois, queria muito me libertar da
prisão que me colocaram quando criança, já conseguia encontrar roupas bacanas,
que me faziam me sentir bem, apesar dos inúmeros quilos, o que eu quero entender
não é o movimento, é o que ele esconde.
Eu não acredito, sinceramente, que há tanto descolamento e
desinibição nesse movimento, acredito em mercado, porém, isso está longe de ser
aceitação.
Uma tendência de mercado não pode ser confundida como
remédio para autoestima. As pessoas que estão a ganhar dinheiro com esse
mercado não deveria vender a ideia de que se vestindo bem, com roupas adequadas
para seu corpo você será aceito nas “rodinhas” sociais, no mercado de trabalho,
que nossas cicatrizes serão apagadas só porque agora modelos gordas aparecem
nas capas de algumas revistas.
Eu convivo com o problema e conheço centenas de pessoas acima do
peso, por mais que elas se dizem resolvidas elas choram sozinhas por não se
acharem parte desse universo.
Ao “glamourizar” a obesidade não cairemos no mesmo problema
que temos hoje, com adolescentes anoréxicas?
O problema com peso, tanto do excesso desse quanto da falta
desse é algo que ultrapassa representação midiática. É cabeça, é cultura.
Eu tenho roupa de marca, eu tenho perfumes importados, tenho
diploma universitário, sapatos caros, mas, nada disso me devolvera a liberdade que meu avô me tirou, não creio
que me ver representada em sites e capas de revistas faria meu problema
desaparecer do dia para a noite. É dor de alma, cicatrizado, que roupas não
conseguem vestir.
Publicizar, fazer a sociedade engolir um conceito só tornará
a situação tolerável, não a fará ser extinta.
Poderia ser proibido difundir ilusão.
Podem dizer que nem todos somos iguais, que é recalque de minha parte, que existe sim mulher gorda bem resolvida. Não generalizo, mas, sou cética e acética (de acidez) e, por isso, volto a afirmar, plus size é tendência de mercado, nada mais, é como sorriso bonito em propaganda de creme dental, faz parte da estratégia de venda.
As cicatrizes da alma obesa continuarão desnudas.
(imagens do google)
Dedicado a S.C
As cicatrizes da alma obesa continuarão desnudas.
(imagens do google)
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