Estamos na era da estética, do buscar desenfreado pela
perfeição física, a perfeição que a mídia diz ser a ideal.
Só o que se vê são mulheres e homens perdendo a essência de
ser humano para se enquadrarem dentro do que as revistas só conseguem com muito
Photoshop, e, dentro dessa futilidade eu me pergunto: se tivéssemos nascido
cegos, se não tivesse sido dado ao ser humano a perfeição do olhar, qual seria
nossa visão do outro? Como seria não ter noção de que meu vizinho é careca, que
minha vizinha é gorda, que o nariz dela é grande, que os olhos dele são verdes,
que a filha deles é anã, que o filho desses tem uma imperfeição física?
No ônibus que eu ia para a faculdade havia uma estudante
cega. Quando entrávamos no ônibus, talvez por vontade de se interagir com nosso
mundo ela dizia: nossa Lú, como você fica bem de azul. Oi Patrícia, essa blusa
rosa é linda. Eu só imagino que ela dizia isso por vontade de fazer parte do
todo, mas, ao mesmo tempo, ao saber que ela nunca havia enxergado eu me
perguntava qual era a noção de azul que ela tinha, qual era seu conceito de
rosa e, como ela conceituava para si mesma a noção de beleza que ela percebia,
ou não, nas pessoas.
A vida dela dentro do nosso contexto, de pessoas que
enxergam, não deve ser fácil.
Essa pessoa era casada com alguém também deficiente visual e
ela falava dele com extremo carinho. Qual foi o parâmetro de beleza que os
aproximaram? A questão estética faria alguma diferença dentro do mundo deles? O
esposo tocava violão maravilhosamente bem (tocava, pois, ele viera a falecer
vítima de câncer há uns cinco anos) trazia para o nosso mundo, dos que
enxergam, uma beleza sonora que independia da visão para perceber a sincronia
dos acordes. Ela, a esposa, se veste bem. Apesar da falta da visão ela sempre
está arrumadinha, mas, foi esse arrumadinha que chamara à atenção dele para ela
ou fora algo que não poderíamos explicar com palavras?
Fico intrigada com pessoas que se privam do amor, da
companhia das pessoas por ela não caber dentro do seu mundinho esteticamente programado.
Repito aqui um outro texto meu que
resumiria o que penso sobre o olhar que deveríamos ter sobre o outro, o
reproduzo na íntegra novamente, apesar que alguns de vocês certamente já o
tenha lido.
Acho que
você me olhou depressa demais. Isso fez você não ver meu sorriso fácil, minhas
vitórias, meus medos, deslizes, sonhos, minha dor, minhas cicatrizes (tenho
cicatrizes imensas, de amores que se foram, de pedaços de mim que levaram, de
momentos que me arrancaram), meus passos, minhas idas e voltas (já estive no
fundo do poço, já estive no vale da esperança, já fui no mundo da amargura, fui
deitar em braços que me aconchegaram, já estive entrelaçada a pernas que
seguiram vários dos meus caminhos, e alguns que se perderam no percurso).
Ao me
olhar rápido demais tu não reparaste em minhas sutilezas, na profundidade do
meu olhar.
No
olhar rápido não cabe o sorriso contido na alma, não cabe o olhar oculto do
desejo.
Quem olha rápido não vê a chama,
não sente o delicado movimento dos sussurros.
Quem olha rápido demais não vê as
lutas internas, não percebe o cheiro de brisa nas palavras soltas. Quem olha
rápido não percebe o intenso, não nota o imenso.

Se não
tivesse me olhado tão depressa veria que sou uma vastidão sem limites.
Quem me
olha depressa apenas me olha, não me vê.
E se você não pudesse enxergar, qual o conceito
que você teria de mim, de ti, do outro, do mundo? Qual conceito você teria da beleza das flores? Não seria, nesse caso, o cheiro, a essência, mais importantes que as cores e a textura, o formato?
(Dedicado a S.C).
(Dedicado a S.C).
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